O Transtorno Opositivo-Desafiador (TOD) é uma condição do neurodesenvolvimento caracterizada por padrões persistentes de comportamento desafiador, desobediente e hostil, especialmente direcionado a figuras de autoridade. Em sala de aula, esses comportamentos frequentemente se manifestam como confrontos constantes, recusa em seguir regras e explosões emocionais — o que pode tornar o ambiente escolar um grande desafio para educadores e colegas.
Contudo, é fundamental lembrar: por trás de cada comportamento desafiador, existe um jovem em sofrimento. Este artigo é um convite à compreensão, ao acolhimento e à prática pedagógica informada, ética e emocionalmente inteligente.
1. Compreendendo o TOD: além do comportamento
O TOD não é apenas uma “birra prolongada” ou “falta de limites”, como muitos erroneamente acreditam. Ele envolve disfunções nas áreas cerebrais responsáveis pelo controle inibitório, regulação emocional e resposta à frustração. Os adolescentes com TOD não estão simplesmente desafiando por vontade própria: muitas vezes, eles não conseguem agir de outro modo sem ajuda especializada.
Características principais:
- Irritabilidade frequente
- Discussões constantes com adultos
- Recusa ativa em cumprir regras
- Tendência a culpar os outros
- Comportamento vingativo
O diagnóstico é clínico, e só deve ser feito por um profissional qualificado, com base em critérios do DSM-5, avaliação funcional e histórico comportamental.
2. O impacto do TOD na sala de aula
Jovens com TOD costumam ser rotulados como “problemáticos”, “rebeldes” ou até “mal-educados”. Isso alimenta um ciclo de rejeição, levando ao isolamento, baixa autoestima e agravamento dos sintomas. A escola, muitas vezes, torna-se um local de dor — tanto para o aluno quanto para seus educadores.
É comum que esses estudantes:
- Provem a paciência do professor diariamente
- Interrompam o fluxo das aulas
- Sejam alvo de punições recorrentes
- Acabem afastados do convívio escolar
A boa notícia é que com estratégias adequadas e apoio emocional, o cenário pode mudar significativamente.
3. Estratégias práticas para educadores: como acolher sem perder o controle
A. Estabeleça limites claros e consistentes
Crianças e adolescentes com TOD precisam saber o que esperar. Regras claras, previsíveis e constantes ajudam a reduzir a ansiedade e as explosões.
- Use regras objetivas e positivas (“Fale baixo”, em vez de “Não grite”)
- Mantenha coerência nas consequências, sem rigidez desumana
- Evite ameaças e promessas que não possam ser cumpridas
- Explique o motivo das regras: “Aqui na sala usamos a fila porque assim todos têm a vez e ninguém se machuca.”
- Reforce o limite sem entrar em disputa: “Você pode escolher: participar agora ou esperar a próxima vez. A decisão é sua.”
B. Evite confrontos diretos e públicos
Discutir com o aluno em frente aos colegas pode intensificar o comportamento opositor.
- Redirecione com calma: “Vamos conversar ali fora um instante?”
- Use frases não acusatórias: “Percebo que você está incomodado. Posso ajudar?”
- Mantenha a neutralidade emocional: sua calma é o antídoto para a raiva do outro
- Dê espaço quando necessário: “Vou te dar alguns minutos para respirar. Depois conversamos melhor.”
- Use linguagem descritiva e não julgadora: “Notei que você empurrou a cadeira. Isso pode machucar alguém. Vamos pensar numa forma melhor de resolver isso.”
- Ofereça escolhas para devolver autonomia: “Você prefere começar pela leitura ou pela atividade escrita?”
C. Reforce comportamentos positivos
A lógica é simples: o que é reforçado tende a se repetir. Pequenos reconhecimentos diários podem transformar vínculos.
- “Você ajudou seu colega agora, e isso foi muito generoso.”
- “Percebi que hoje você conseguiu terminar sua atividade. Parabéns!”
- Use reforços naturais (tempo extra em algo que ele goste, palavras de reconhecimento)
- Destaque pequenas melhorias: “Hoje você demorou menos para guardar os materiais. Isso é um avanço!”
- Incentive a autoavaliação positiva: “Como você se sentiu ajudando na arrumação da sala? Foi importante para todos.”
- Ofereça responsabilidades como forma de reconhecimento: “Você pode me ajudar a distribuir os materiais? Confio muito no seu jeito cuidadoso.”
D. Adote rotinas estruturadas
Rotinas previsíveis oferecem segurança e ajudam a reduzir a impulsividade.
- Mantenha horários fixos para as atividades
- Use agendas visuais ou quadros de organização
- Antecipe mudanças com avisos prévios: “Faltam 10 minutos para terminarmos esta tarefa.”
- Use sinalizações de tempo com timers visuais ou sonoros: “Quando o alarme tocar, será hora de guardar os materiais.”
- Inicie o dia com uma sequência visual do que vai acontecer: “Primeiro leitura, depois atividade de arte, e por fim o lanche.”
- Inclua pausas planejadas: “Depois dessa tarefa, teremos 5 minutos para tomar água.”
E. Trabalhe em parceria com a família e a equipe multidisciplinar
Não há progresso sustentável sem apoio integral.
- Crie canais de comunicação empáticos com os responsáveis
- Participe de reuniões com psicólogos, psiquiatras e terapeutas envolvidos
- Compartilhe observações de forma não acusatória, mas colaborativa
- Envie bilhetes ou mensagens positivas para casa: “Hoje o João participou super bem da roda de conversa!”
- Convide os responsáveis para momentos breves de troca na entrada ou saída: “Tudo bem? Queria te contar rapidinho como foi o dia dele…”
- Compartilhe estratégias que funcionam na escola para que a família possa adaptar em casa: “Percebi que quando antecipamos o que vai acontecer, ele se organiza melhor. Talvez isso ajude aí também.”
4. O papel do professor: da autoridade ao acolhimento
Não é papel do professor “curar” o TOD — mas sim criar um ambiente que favoreça o desenvolvimento emocional e social do estudante. Isso requer empatia ativa, autoridade compassiva e conhecimento sobre o funcionamento psíquico.
Professores são figuras de referência. Quando um aluno com TOD encontra um adulto que não o rotula, mas o escuta e o respeita, o comportamento muda. Não por medo. Mas por confiança.
5. Cuide também da sua saúde mental
Conviver com adolescentes com TOD pode ser exaustivo. Muitos professores sofrem em silêncio, adoecem emocionalmente e sentem culpa por “não dar conta”.
Lembre-se:
- Você não está sozinho(a) — busque suporte institucional e terapêutico se necessário
- Compartilhe angústias com colegas, coordenação ou equipe de apoio
- Pratique autocuidado: seu bem-estar é ferramenta de trabalho
6. Conclusão: educação é vínculo e transformação
Educar um adolescente com TOD é desafiador, sim. Mas também é uma oportunidade de romper ciclos e oferecer novas possibilidades de existência.
Cada aluno que desafia uma regra está, muitas vezes, testando se é digno de afeto, de paciência, de permanência. Se você conseguir ser esse ponto de apoio — mesmo em meio ao caos — terá cumprido não só um papel pedagógico, mas profundamente humano.
Porque na raiz do comportamento opositor está o grito por conexão.
Por Prof. Esp. Helber Souza
Professor de Matemática | Especialista no Ensino da Matemática
“Cuidar da mente é um ato de coragem e amor próprio.”